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sábado, agosto 06, 2005
A corrupção não acabou em 1994, como queria a VEJA.. 

http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/050194/corrupcao.html

A era da corrupção

De onde ela veio? Para onde
nos levará? 1994 vai mostrar se
o Brasil consegue libertar-se ou
se continuará a afundar-se nela


Roberto Pompeu de Toledo

Ó dúvida cruel! O ano de 1993 deixa em seu rastro uma dura questão. Terá sido um dos melhores anos da História do Brasil? Ou, ao contrário, terá sido um dos piores? A favor da tese de que terá sido um dos melhores temos:

•Estourou-se uma rede de corrupção situada no coração do sistema, envolvendo parlamentares, burocratas e empresários;

•O grau de intolerância do público obrigou que se desse conseqüência à descoberta, e o Congresso reagiu encetando um inédito trabalho de auto-investigação;

•As próprias vísceras do sistema vieram à luz, em conseqüência, deixando claro como nele operam a safadeza e a roubalheira e tornando muito mais difícil a repetição de tais práticas.

A favor da tese de que foi um dos piores anos temos:

•Estourou-se uma rede de corrupção situada no coração do sistema, envolvendo parlamentares, burocratas e empresários;

•Mais uma vez o Brasil foi exposto à execração internacional, em conseqüência, e, internamente, seu sistema de governo caiu mais ainda no descrédito do público;

•Fizeram-se investigações e desvendaram-se os podres do poder, mas não se deu um passo no sentido das transformações que a situação exige.

1993 será lembrado como o ano da redenção ou aquele em que nos demos conta de que estávamos irremediavelmente perdidos? Eis a questão. O ex-ministro Mario Henrique Simonsen expressou dúvida semelhante, em artigo na revista Exame. Escreveu ele:

"Há duas maneiras de interpretar a atual maré de escândalos que inunda a política brasileira. Uma delas, altamente otimista e amplamente sublinhada pela imprensa, exalta a nossa democracia pela capacidade que vem revelando em identificar corruptos e defenestrá-los. (...) Uma outra leitura, insidiosa mas não menos lógica, é que uma democracia que produz tantos casos de corrupção e que só aumentou a inflação e a recessão é um projeto fracassado".

A corrupção será o tema destas linhas. De onde ela veio? Para onde nos levará? Numerosas perguntas afloram junto a esse tema tão insistente e capital na História do Brasil contemporâneo. Onde foi que erramos, para que nos transformássemos num país tão corrupto? Antes de prosseguir, porém, façamos uma pausa. Recuemos ao ano de 1970, para observar o que se passava no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte de São Paulo.

Vivia-se a época mais obscura do regime militar, com as prisões cheias e a tortura aplicada sem inibições, mas não é isso que nos interessa. Interessa uma mocinha de 15 anos, 1,59 metro de altura, terceira dos cinco filhos de um casal de evangélicos. Os cabelos negros, repartidos ao meio, quase lhe chegavam à cintura, e seus vestidos, beges ou amarelos, além de compridos nas mangas, nunca terminavam acima do joelho. Ela era filha do pastor da Igreja Assembléia de Deus no bairro do Tucuruvi. Duas vezes por semana ia à igreja, às quartas e aos domingos, e cantava no coro.

Naquele ano de 1970 apareceu na vida da mocinha um rapaz de cabelos curtos, magro, tímido, quase sempre de terno escuro e que, segundo parecia à mocinha, se perfumava excessivamente. Recém-chegado de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, onde deixara a Aeronáutica como sargento, tinha 21 anos e conseguira um bom emprego em São Paulo: meteorologista na torre de comando do Aeroporto de Congonhas. O rapaz foi morar no bairro de Santana e, sendo também evangélico, logo tratou de saber qual a igreja mais próxima. Era a do Tucuruvi. Passou a freqüentá-la e não tardou a demonstrar interesse, ainda que distante, pela mocinha de cabelos longos.

"Para namorar alguém da igreja, só se for a filha do pastor", disse uma vez o rapaz a um amigo. "Qual filha?" "Aquela amarelinha", especificou o rapaz, referindo-se às roupas e à palidez da menina. "Mas ela é muito criança", objetou o amigo. "Não tem problema. Eu crio ela."

Interrompamos a história. O leitor adiante saberá o que ela faz aqui. Lembremos alguns fatos do ano relacionados ao tema que nos interessa, o da corrupção:

• Este foi o ano em que ficamos sabendo que o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, DNOCS, tinha - ou tem - por especialidade cavar poços em propriedades particulares. Não deu em nada;

• Foi o ano em que uma pessoa acusada de homicídio foi nomeada ministro da Agricultura. Descobriu-se e a pessoa foi desnomeada;

• Foi o ano em que Fernando Collor teve confirmada a cassação de seus direitos políticos, mas também em que sua esperteza quase pegou. Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal levaram a sério a história da renúncia antes do impeachment, como se ela tivesse se efetivado com a melhor das intenções;

• Foi o ano em que a juíza Denise Frossard, num gesto de audácia e de sobranceira pontualidade no cumprimento do dever, determinou a prisão dos cabeças do jogo do bicho no Rio de Janeiro;

• Foi o ano que se escoou inteiro sem que o processo por corrupção contra Collor, PC Farias e companhia sequer demarrasse no Supremo Tribunal Federal.

Ano da redenção ou da perdição? Com os indicadores de alento contrabalançados pelos de desalento, continuamos com o placar empatado. O grande progresso foi no diagnóstico. Hoje sabemos, sem sombra de dúvida, que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições. Essa evidência já aflorara no ano anterior, o do impeachment de Collor, e tornou-se gritante em 1993. "Quem faz o Orçamento da República são as empreiteiras", dissera, ainda em 1992, o então ministro da Saúde, Adib Jatene. "Se a frase de Jatene tivesse sido pronunciada por um esquerdista, alguns meses antes, diriam que era delírio conspiratório", diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro. Hoje é aceita como um truísmo.

Com base nas pesquisas que realizou junto ao povo hausa, um dos mais importantes da Nigéria, o antropólogo holandês Nuradeen Auwal arrolou, no ensaio The Language of Corruption (A Linguagem da Corrupção), 23 vocábulos ou expressões, no idioma hausa, para designar a corrupção. Assim como, num país que tem muito bicho, haverá muito nome de bicho, assim também num país onde há muita roubalheira, como é notoriamente o caso da Nigéria, haverá muitos nomes para ela.

No Brasil, igualmente, não seriam poucas as palavras que se encontrariam para designar corrupção, ou suborno, ou negociata. Exemplos: cervejinha, molhar a mão, lubrificar, lambileda, mata-bicho, jabaculê, jabá, capilé, conto-do-paco, conto-do-vigário, mamata, negociata, por fora, PF, "taxa de urgência", propina, peita. Luís Inácio Lula da Silva contribuiu, na última campanha eleitoral, com "maracutaia". Fernando Collor alegou uma "operação Uruguai", que, da mesma forma como "Panamá", em várias línguas, virou sinônimo de negociata, depois da roubalheira ligada à construção do canal do mesmo nome, hoje também pode designar uma operação escusa. Houve tempo em que os brasileiros falavam com orgulho de "jeitinho". Hoje, e isso é um sinal positivo, "jeitinho" começa a ser olhado com suspeição.

Para procurar as origens remotas da corrupção no Brasil, é mister recuar aos tempos do descobrimento. (Nos rodapés destas páginas, textos de autores de diversas épocas fornecem uma amostra da corrupção ao longo da História brasileira.) Dois historiadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Fragoso e Manolo Florentino, escreveram no Jornal do Brasil um artigo em que comparam o período colonial e o atual. Em fins do período colonial, dizem, os 10% mais abastados detinham cerca de dois terços da riqueza nacional. Hoje os 10% mais ricos controlam cerca da metade. "Essas cifras demonstram que as mudanças estruturais se processam de maneira a reiterar a diferenciação excludente", comentam os autores. No jargão acadêmico, o que eles repetem é a célebre frase que Tomasi di Lampedusa colocou na boca do príncipe siciliano Fabrizio de Salina, no romance O Leopardo: "É preciso mudar para que tudo fique igual". A conclusão dos dois autores é de gelar os ossos:

"Se a História ensina algo, pode-se, generalizando, inferir que corrupção, fome, perversa concentração de renda e privatização do Estado nunca indicaram que o Brasil estivesse fora de rumo. Ao contrário, ele está, desde séculos atrás, exatamente onde imaginaram suas elites. Porque no substancial é este, exatamente, o projeto".

Deixemos o passado remoto. Fiquemos na única discussão histórica que no fundo ainda interessa e polariza: se a corrupção atual, em seus presentes níveis e modalidades, tem suas origens no regime militar ou no período de redemocratização. O deputado Delfim Netto, que serviu ao regime militar, situa essas origens no período da redemocratização: "A meu ver, a corrupção ficou muito mais generalizada depois do Plano Cruzado, com as reformas que começaram a desmantelar todas as estruturas de controle interno do governo. A reforma administrativa do governo Collor completou o estrago. Antes do ministro Dilson Funaro, todos os ministros tinham um sistema de controle pelo Ministério da Fazenda, que inclusive reportava ao Tribunal de Contas".

Outros lembrariam o numeroso elenco dos escândalos ou quase escândalos do regime militar. As obras faraônicas, que sempre se desconfiou escondessem vultosas negociatas: Transamazônica, Itaipu, Rodovia do Aço, Ponte Rio-Niterói. Os estouros financeiros: caso Delfin, caso Lutfalla, caso áurea, caso Halles. Escreveu o antigo chefe da Casa Civil de João Goulart, hoje senador pelo Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro: "Essa modalidade de ladroagem patricial (a que é exercida pelos detentores dos cargos-chave) floresceu muito com a ditadura militar discricionária e corrupta, que entregou a condução da economia brasileira a este tipo de tecnocrata que acha legítimo lucrar no exercício das funções públicas".

Bem pesadas as coisas, está-se diante de uma falsa dicotomia. Enxergue-se o período militar e o da redemocratização como um conjunto só, marcado mais por continuidades do que rupturas, e talvez se tenha explicação mais coerente para a corrupção endêmica que caracteriza a vida pública brasileira atual. No regime militar o crescimento da economia fez-se aos saltos. O PIB progredia a níveis recordes, e com grande rapidez. "A roubalheira acontece quando existe muita mobilidade de riqueza", diz o cientista político Bolívar Lamounier. "Quando as pessoas podem se tornar ricas com muita rapidez e quando os patrimônios não estão tão seguros como no passado."

Acrescente-se que o Estado cresceu em proporções similares. O regime militar foi a época áurea das estatais, assim como dos projetos gigantes, e também dos controles e regulamentações que exigiam uma atuação estatal ativa e permanente sobre a economia. Daí resultou uma poderosa burocracia, com decisivo poder de intermediação no destino das verbas públicas. Mas isso não é tudo. Menos mensurável, mas com certeza não menos importante, era uma certa atmosfera cínica que reinava na fase dourada do milagre econômico. Como na China de Deng Xiaoping, a ordem era: "Enriqueçam". Enriqueçam não importa como, acrescentava-se, dizendo sem dizer. A moral estava em férias nos negócios públicos. Para completar o quadro, lembre-se que a censura tampava tudo o que o Estado julgasse inconveniente saber-se.

Na redemocratização, muitas das antigas tendências não sofreram descontinuidade. O Estado continuou grande, a burocracia poderosa, os escrúpulos miúdos, e a esse quadro acrescentou-se um ator que no período anterior gozara de licença compulsória: os políticos. Eles voltaram com tudo.

O historiador Luiz Felipe de Alencastro gosta de lembrar que, quando se fala em "políticos", neste país, fala-se de uma numerosa categoria de profissionais. As câmaras de vereadores, dependendo da população do município, são formadas por um mínimo de nove e um máximo de cinqüenta integrantes. Digamos que a média seja de dez por município. Somado esse número pelos 5.000 municípios brasileiros, temos 50.000 vereadores. Acrescentem-se os prefeitos, os deputados estaduais. Tudo considerado, temos uma "classe" política mais numerosa, ou tão numerosa quanto, digamos, os petroleiros, que são 59.000.

Estes são os atores que ingressaram no cenário para assumir o papel de intermediários das verbas públicas, ou, pelo menos, para dividi-lo com as autoridades do Executivo e os burocratas. Eles entraram em campo beneficiados, por um lado, por um sistema completamente frouxo de filtros e controles. Por outro - e aqui não se está falando de todos, naturalmente, mas de um número significativo o bastante para contaminar a reputação do conjunto -, chegaram embalados por uma volúpia renovada e uma característica falta de senso moral.

Lembre-se, para completar, que a lógica maluca do sistema prevê eleições caras. Estava aberta a porta para a grande usina de ladroagem dos últimos anos que são as campanhas eleitorais. "Os custos das campanhas excedem o que os empresários podem dar por altruísmo aos candidatos, por maior que seja a simpatia política ou ideológica que tenham por eles", diz o ex-ministro Simonsen.

O sistema brasileiro apresenta perversões tão fantásticas quanto esta, descoberta pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos: a escassez dos serviços públicos serve de escada eleitoral aos políticos. Se os serviços chamados "públicos" fossem realmente públicos, eficientes e universais, eles não teriam valor eleitoral, porque todo mundo teria água, luz, rua asfaltada, escola e segurança. Como não são, o político se apropria da parte que está a seu alcance e passa a utilizá-la como moeda, em troca de votos. Diz Wanderley Guilherme dos Santos: "Como há escassez dos serviços públicos, eles viram mercadoria e os políticos podem privatizá-los, selecionando quem, ou que lugar, que curral eleitoral, vai recebê-los. Essa é uma das molas mestras da corrupção. Ela lhes garante o sucesso e a perpetuação eleitoral".

Falou-se de como a corrupção nasceu, nos atuais níveis e nas atuais modalidades, à sombra do regime militar, e de como ela cresceu, com a redemocratização. Ficou faltando abordar um outro importante ângulo da questão: a omissão dos bons. Tão espantoso quanto o Congresso se mover, agora, no sentido de investigar e propor-se a punir a corrupção, é o fato de antes, e durante anos, não ter feito nada. É como se a maioria considerasse aquilo inevitável tal um fenômeno da natureza, algo com que se precisava aprender a conviver tal se convive com as estações do ano.

Todo mundo sabia, no Congresso, há muito, que havia algo de podre no reino da Comissão de Orçamento. E no entanto ninguém fazia nada. Um dos maiores sintomas de que algo de errado havia, ou há, com o Parlamento brasileiro é o fato de nunca, em sua história, ter abrigado tantos economistas de primeira plana, e no entanto nenhum deles fazer parte da Comissão de Orçamento. Sabia-se que lá não era lugar para gente honrada.

A omissão dos bons não é uma tragédia apenas porque os mais honestos e bem preparados deixam de agir. É uma tragédia, também, porque acoberta os desonestos, e assim os incentiva a prosseguir. Escreveu o cientista político Francisco Weffort, num artigo publicado na Folha de S.Paulo: "...centenas de parlamentares, na maioria sérios e honestos, funcionam como proteção de algumas dezenas de outros que, em circunstâncias normais, teriam que ser tratados como réus da Justiça comum". Weffort referia-se não apenas aos ladrões da Comissão de Orçamento. Falava do conjunto dos deputados acusados de crimes, alguns tão graves como tentativa de homicídio, e que são protegidos pelo instituto da imunidade parlamentar. Nos cálculos do cientista político, modestos, a "bancada do crime", como a designou, somaria uns 10% da Câmara dos Deputados. "Alguém dirá que, em termos estatísticos, não é muito", escreveu Weffort. "O que preocupa, porém, é outra coisa: por que os restantes 90% deixaram as coisas chegar a esse ponto?"

No mesmo artigo, Weffort lembra que o senador Pedro Simon admitiu, no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, ter conhecimento há muito de que se praticavam falcatruas na Comissão de Orçamento. "Se políticos como Simon sabiam, por que não denunciaram?", pergunta Weffort. E acrescenta, lembrando que o escândalo todo veio à tona por artes de um acusado, entre outros crimes, de matar a própria esposa: "O homem honesto calou-se, o criminoso denunciou". Há algo de terrível, nesta frase.

Por que a omissão dos bons? Uma resposta possível talvez a tenha o cientista político Bolívar Lamounier, quando afirma que no Brasil, pelo menos até há pouco, nunca houve ética pública. "A ética era privada, se tanto. Era só para a família." No extremo, a falta de ética política pode transformar-se no elogio da falta de ética. Veja-se que exemplo fascinante nos oferece a senhora Maria Helena Guinle, uma socialite carioca, numa entrevista que concedeu à revista Interview, em dezembro de 1992.

Na época, ainda não tinha estourado o escândalo do Orçamento, mas estava fresco o escândalo Collor. A certa altura, a senhora Guinle passa a elogiar o ex-presidente, "uma pessoa fascinante", que "se veste bem, sabe falar" e que, como presidente, "só nos orgulhava". A senhora mantém essa opinião mesmo depois do impeachment?, pergunta o repórter. Vem então a seguinte e extraordinária resposta: "Deslizes acontecem a vida inteira. No momento em que você ocupa um cargo que te favoreça de alguma forma, acho até um pouco de burrice não aproveitar a situação".

Silêncio. Pausa. O leitor que recupere o fôlego. Prossiga-se.

Se nos falta, ou faltava, uma ética pública, é algo que depende de comprovação, mas não deixa de ser curioso que os dois grandes escândalos da vida brasileira em todos os tempos, um logo em seguida ao outro - o de Collor e o do Orçamento -, tenham tido em sua origem um episódio privado. O caso Collor começou com uma briga de irmãos. O do Orçamento, com o desaparecimento de uma mulher. Ambos, episódios da vida em família, que revolvem sentimentos íntimos - nada a ver com política.

Estamos nos aproximando de um ponto perigoso. Primeiro identificamos as origens do atual nível de corrupção pelo efeito conjugado do regime militar e do desastrado período de redemocratização. Depois selecionamos um fator - a omissão dos bons - que nos conduz à constatação de que reina um ambiente de tolerância para com a corrupção, quando não de compreensão e até incentivo a ela, como na tese da senhora Guinle. O passo seguinte é concluir que há todo um ambiente contaminado. "Somos todos corruptos", dizia o ex-presidente da Fiesp Mario Amato. Será que o povo é culpado? Chegaremos a esse tema, mas antes voltemos à história de amor que deixamos abandonada lá atrás, localizada no bairro do Tucuruvi.


"Ouro e dádivas secretas"

"Com peitas, ouro e
dádivas secretas
Conciliam da terra os
principais."
Camões, Lusíadas

"Em quase todas as épocas da História portuguesa uma carta de bacharel valeu tanto quanto uma carta de recomendação nas pretensões a altos cargos públicos. No século XVII, a crer no que afiança a Arte de Furtar, mais de 100 estudantes conseguiram colar grau na Universidade de Coimbra todos os anos, a fim de obterem empregos públicos, sem nunca terem estado em Coimbra."
Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil

"Corria na Europa, durante o século XVII, a crença de que aquém da linha do Equador não existe nenhum pecado: Ultra aequinoxialem nom pecari. Barlaeus, que menciona o ditado, comenta-o dizendo: 'Como se a linha que divide o mundo em dois hemisférios também separasse a virtude do vício".
Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil


"Por que não roubou?"

"Quando Rio Pardo, o antigo ministro da Guerra, que se mantivera fiel até o último momento, e teve de fugir porque a sua vida corria perigo, chegou a bordo, dom Pedro soltou grandes gargalhadas e caçoou do fugitivo. Paranaguá, antigo ministro da Marinha, tendo de se esconder pelo mesmo motivo, apresentou-se a bordo. Dom Pedro disse-lhe que dele não se podia encarregar. Respondeu-lhe o outro que, neste caso, só lhe restava tornar a Portugal, onde tinha direito a uma pequena aposentadoria. Disse-lhe o ex-imperador: 'Espero que não irá a Portugal antes de minha filha estar estabelecida no trono'. 'Mas, senhor, que quer que eu faça? Não tenho fortuna, só tinha meu subsídio.' 'Faça o que quiser, não é da minha conta; por que não roubou, como Barbacena? Estaria bem, agora'."
(Episódio ocorrido a bordo do Warspite, navio em que dom Pedro I zarparia para a Europa depois da abdicação, em 1831)
Octávio Tarquínio de Souza, A Vida de D. Pedro I


"Raposas nos gabinetes"

"O Segundo Reinado será o paraíso dos comerciantes, entre os quais se incluem os intermediários honrados e os especuladores prontos para o bote à presa, em aliança com o Tesouro. A velha dupla, estamento e comércio, dá-se as mãos, modernizadora nos seus propósitos, montada sobre a miragem do progresso. Os agricultores vergados ao solo, os industriais inovadores servem, sem querer, aos homens de imaginação forjada de golpes, hábeis no convívio com os políticos, astutos nas empreitadas. As raposas se infiltram nos gabinetes, contaminando, com sua esperteza, o tipo social do político. O progressismo, como muito mais tarde o desenvolvimentismo, fará da modernização um negócio de empréstimos, subvenções e concessões, entremeado com o jogo da bolsa, sob os auspícios do Estado. (...) Ninguém quer matar a galinha dos ovos de ouro, senão viver à custa dela, submissa, calada e recolhida, mas prolífica."
Raymundo Faoro, Os Donos do Poder


O mar de lama, mês a mês

Janeiro

• A Polícia Federal conclui que houve irregularidades na compra da Vasp por Wagner Canhedo. Como garantia para um financiamento do Banco do Brasil, o empresário apresentou uma fazenda estimada em quinze vezes o valor real.

Fevereiro

• PC Farias é indiciado em dez inquéritos, por corrupção ativa, emissão de notas frias, falsidade ideológica, evasão de divisas e exploração de prestígio.

Março

• Livro do ex-porta-voz Claudio Humberto Rosa e Silva, Mil Dias de Solidão, conta histórias escabrosas do governo Collor.

• Carro oficial do ministro do Tribunal de Contas da União, Homero Santos, é flagrado pegando seus netos na escola.

• Quatro delegados de polícia do Rio são afastados por envolvimento com quadrilhas de ladrões de carros.

• O presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, é pego usando equipamentos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca para perfurar poços de água em suas propriedades.

Abril

•Acuado pelas denúncias de corrupção, Orestes Quércia renuncia à presidência do PMDB.

•Investigação revela que as fraudes na Previdência engolem US$ 1,5 bilhão por ano.

•Livro de Pedro Collor, Passando a Limpo - A Trajetória de um Farsante, traça o perfil do irmão como desequilibrado metido em farras com drogas e prostitutas em Maceió.

•Inocêncio é envolvido em outro escândalo, desta vez pela instalação de telefone comunitário em uma de suas fazendas.

•A Câmara despreza as acusações contra Inocêncio.

Maio

•O ministro da Fazenda, Eliseu Resende, é acusado de ajudar a Odebrecht, da qual foi alto funcionário durante sete anos, a ganhar um financiamento para uma obra de irrigação no Peru.

•O ex-secretário particular de Zélia Cardoso de Mello confirma que pagou despesas da ex-ministra com dinheiro do esquema PC.

•O governador gaúcho Alceu Collares leva vinte pessoas para uma viagem à Europa com diárias de 350 dólares pagas com dinheiro público.

•Eliseu Resende deixa o Ministério da Fazenda.

Junho

•Descobre-se que Nuri Andraus, nomeado para o Ministério da Agricultura, responde a um processo por homicídio.

•Uma boate, uma escola de elite e entidades fantasmas criadas por parlamentares estão entre os beneficiários de verbas sociais aprovadas no Orçamento da União.

•Descoberta de um rombo de 104 milhões de dólares no Banespa piora a situação de Quércia e de Fleury, envolvidos no escândalo das compras superfaturadas de equipamentos de Israel.

•PC Farias desaparece na véspera da decretação de sua prisão preventiva.

•A facilidade da fuga de PC provoca crise na Polícia Federal.

Julho

•Descobre-se que a PM de Alagoas deu cobertura à fuga de PC.

•O chefe da alfândega no Aeroporto de Guarulhos é exonerado sob suspeita de irregularidades.

•Estoura o escândalo Paubrasil, com a apreensão, na firma do pianista João Carlos Martins, de livros contábeis do caixa dois das campanhas eleitorais de Maluf.

•A PF conclui que Claudio Humberto recebeu dinheiro de fantasmas do esquema PC como pagamento por intermediar verbas de publicidade no governo Collor.

Agosto

•João Carlos Martins admite que participou "intensamente" das campanhas de Maluf em 1990 e 1992.

•Um repórter da TV Bandeirantes descobre que PC esteve em Assunção, no Paraguai, de onde teria ido para Buenos Aires.

Setembro

•Dois brasileiros juram ter visto PC, acompanhado de uma loira, numa loja em Frankfurt, Alemanha.

•Calim Eid, coordenador das campanhas de Maluf, confessa que imóveis alugados pela Paubrasil foram usados como comitês eleitorais.

•Acusado de corrupção, o governador do Amapá, Aníbal Barcellos, é afastado por 120 dias por decisão da Assembléia Legislativa.

•Os deputados Onaireves Moura e Nobel Moura são apanhados oferecendo dinheiro a colegas de outros partidos para que se filiassem ao PSD.

•O deputado Itsuo Takayama confessa ter entrado para o PSD em troca de dinheiro e compara seu caso ao dos jogadores de futebol que recebem gratificação quando mudam de time.

•Fleury acusado de estar por trás da compra de mandatos.

Outubro

•Escândalo no Orçamento: José Carlos Alves dos Santos, alto funcionário do Congresso, denuncia rede milionária de corrupção envolvendo deputados, senadores, ministros, governadores e empreiteiras.

•José Carlos, acusado de ter assassinado a esposa, explica que os 3,7 milhões de dólares achados em sua casa se devem a propinas que recebeu por incluir no Orçamento emendas do interesse de políticos e de empreiteiras.

•Instalada uma CPI para investigar o escândalo, que envolve principalmente os integrantes da Comissão de Orçamento da Câmara, o grupo apelidado de sete anões.

•O deputado João Alves, principal acusado, atribui seu patrimônio de 5 milhões de dólares ao fato de ter ganhado muitas vezes na loteria. "Deus me ajudou", disse.

•Registros da CEF provam que João Alves perdeu mais do que ganhou, reforçando as evidências de lavagem de dinheiro através da loteria.

•Henrique Hargreaves, um dos dois ministros acusados, deixa a chefia da Casa Civil.

•O outro ministro, Alexandre Costa, da Integração Regional, permanece no cargo.

•PC Farias é entrevistado em Londres por um jornalista da Rede Globo.

Novembro

•O deputado Ricardo Fiúza sai-se bem na CPI do Orçamento, mas não explica como ganhou 5,6 milhões de dólares entre 1988 e 1992.

•Cid Carvalho, deputado que desviou 60.000 dólares através de uma entidade fantasma, é surpreendido na CPI pela apresentação de dois cheques de João Alves em seu nome.

•O deputado Manoel Moreira é denunciado como corrupto por sua ex-mulher, Marinalva Soares da Silva.

•O deputado Genebaldo Corrêa justifica 1,6 milhão de dólares depositados na sua conta como "sobras de campanha".

•Por causa do escândalo, Genebaldo é afastado da liderança do PMDB na Câmara.

•A CPI descobre na conta do deputado Ibsen Pinheiro quantidades de dinheiro incompatíveis com seu salário e três cheques de Genebaldo, no valor de 35.000 dólares.

•Ibsen se afasta do cargo de relator do regimento interno da revisão constitucional.

•O deputado Fabio Raunheitti se atrapalha diante das provas de que enviou a faculdades e hospitais de sua propriedade 15 milhões de dólares em verbas sociais.

•O deputado José Geraldo Ribeiro se desmoraliza ao ser confrontado com cheque com sua assinatura comprovando a compra de fazenda cuja existência disse não conhecer.

•Comprovado o desvio, pe lo suplente de deputado Feres Nader, de 2 milhões de dólares em subvenções sociais para entidades fantasmas no Rio.

•José Sarney aparece como beneficiário de serviços da construtora Servaz.

•A PF apreende 40 quilos de documentos na casa do diretor da Odebrecht em Brasília Ailton Reis.

•A polícia encontra o corpo de Ana Elizabeth, mulher de José Carlos Alves dos Santos, que é denunciado pelos assassinos como o mandante do crime e tenta o suicídio.

•Descobre-se que o governador Joaquim Roriz recebeu 1,9 milhão de dólares entre janeiro e novembro de 1989. "Não é proibido ser rico", defende-se Roriz.

•O presidente do Sindicato dos Motoristas do ABCD denuncia a ajuda da entidade a candidatos a vereador pelo PT e pelo PSDB.

•Maluf denuncia irregularidades nos contratos entre a prefeitura de São Paulo, durante a gestão de Luiza Erundina, e a empresa Nutrícia, para fornecimento de merenda escolar.

•PC Farias é preso na Tailândia.

Dezembro

•PC desembarca e fica preso na PF em Brasília.

•Os documentos apreendidos da Odebrecht sugerem a existência de um cartel das grandes empreiteiras para fraudar as licitações de obras públicas.

•Empata o julgamento, pelo STF, do mandado de segurança contra a suspensão dos direitos políticos de Collor.

•Três juízes do Superior Tribunal de Justiça, aos quais foi transferida a decisão sobre Collor, confirmam a cassação do ex-presidente.

•João Carlos Martins diz que repassou através da Paubrasil 19 milhões de dólares arrecadados de empresários para comitês de Maluf.

•Flávio Maluf, filho do prefeito, depõe no caso Paubrasil.

•A Câmara cassa o mandato de Onaireves, Nobel e Takayama por tráfico de filiações partidárias.




fechar






# escrito por Kodai : 8/06/2005 01:16:00 AM   

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