| 20.12.06 - BRASIL |
Adital -
Esse é um tipo de Natal com seu respectivo imaginário. Papai Noel é uma figura do mercado. Ele é o bom velhinho que trata de seduzir as crianças para que seus pais lhes comprem presentes. A memória de que ele representa São Nicolau que também trazia presentes desapareceu para dar lugar à figura infantilizada do bom velhinho que tira do saco surpresas que antes foram compradas e postas lá dentro.Como em todas as casas há televisão - pode faltar o pão, mas, nunca a televisão - as crianças pobres vêem o Papai Noel e sonham com o mundo encantado que ele mostra, cheio de presentes, carrinhos, bonecas e brinquedos eletrônicos a que elas dificilmente terão acesso. E sofrem com isso apesar de manter o brilho encantado de seus olhinhos infantis. O mercado é o novo deus que exige submetimento de todos. Dai que as crianças pressionam seus pais para que Papai Noel também passe lá por "casa". Então são os pais que sofrem por não poderem atender ao filhos, seduzidos por tantos objetos-fetiche mostrados pelo Papai Noel.
O mercado é uma das maiores criações sociais. Mas houve e há muitos tipos de mercado. O nosso, de corte capitalista, é terrivelmente excludente e por isso vitimizador de pessoas e de empresas. Ele é apenas concorrencial e nada solidário. Só conta quem produz e consome. Quem é pobre deve se contentar com migalhas ou apenas viver na marginalidade. No tempo de Natal, o Papai Noel é uma figura central do consumo para quem está dentro do sistema e pode pagar.
Diferente é o Natal do Menino Jesus. Ele nasceu de uma família pobre e honrada. Por ocasião de seu nascimento numa gruta, entre animais, anjos cantaram no céu; pastores ficaram imobilizados de emoção e até sábios vieram de longe para saudá-lo. Quando grande, fez-se exímio contador de histórias e pregador ambulante com uma mensagem de total inclusão de todos, começando pelos pobres a quem chamou de bem-aventurados. As pessoas que guardam sua memória sagrada, na noite de Natal, ouvem a história de como nasceu, celebram a presença humanitária de Deus que assumiu a forma de uma criança. Festejam a ceia com a família e os amigos. Aqui não há mercado nem excluídos. Mas luz, alegria e confraternização. A troca de presentes simboliza o maior presente que Deus nos deu: Ele mesmo na forma de um infante. Ele nos alimenta a esperança de que podemos viver sem o Papai Noel que nos vende ilusões.
Dom Pedro Casaldáliga diante de um indiozinho recém-nascido escreveu: "Não vi a tal da estrela, mas vi um Deus muito pobre. Maria estava desperta, desperta estava a noite. E estava sobressaltado para sempre o rei Herodes". O rei Herodes não é mais uma pessoa, mas um sistema que continua devorando pessoas no altar do consumo solitário.
* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ
| 21.12.07 - BRASIL |
Adital -
Em Belém, Caleb atende à porta. Ao ver quem bate, fecha-a de imediato, enquanto o visitante insiste aos murros, como se quisesse derrubar a parede.
A mulher, Cozbi, indaga quem é. "Meu irmão". "O José?", pergunta ela. "Sim, teve o descaramento de engravidar uma jovem de Nazaré sem nem terem se casado, como manda a nossa lei. Agora vem com a buxuda pedir abrigo em nossa casa. Como hei de acolher quem viola os preceitos ditados por Javé a Moisés? Eles que procurem outra freguesia".
II
Eleazar realizou, enfim, seu velho sonho: um pequeno sítio nas proximidades de Belém. No pasto, misturou vacas, cabras e cordeiros. Montou um cocho de madeira e armou, em torno, um toldo de bambu coberto com folhas de palmeira.
De madrugada, Efraim, pastor contratado pelo dono da terra, bate forte pelo lado de fora da janela. O patrão, sonolento, parece receber como pesadelo a notícia: "Invadiram suas terras, meu senhor. Tem um casal acampado lá na estrebaria. Escutei um choro miúdo. Parece que a mulher deu à luz um menino."
"Avise a guarda. Ao despontar do sol cuidaremos de tirá-los de lá", resmunga Eleazar interessado em retomar o sono.
Dia seguinte, o Diário de Belém dá em manchete: "Família sem-teto e sem-terra invade propriedade rural na periferia da cidade". No corpo da notícia: "Moça de Nazaré, engravidada por carpinteiro, teve parto em pleno pasto. A criança é do sexo masculino".
III
Guiadas pela estrela de Davi, as três rainhas magas, Ada, Míriam e Sela, chegam à manjedoura. Após louvarem a Javé, aquecem um caldo de galinha para Maria, alimentam José com pães ázimos recheados com grão-de-bico, lavam as fraldas do bebê, varrem o estábulo. Ao buscar água na fonte, comentam entre si: "O menino em nada se parece com o pai..."
IV
A notícia do nascimento do menino não tarda a chegar ao palácio de Herodes, em Jerusalém. Ele fica alarmado; afinal, é o rei dos judeus, malgrado o sangue árabe que corre em suas veias. Sabe, porém, que tem os dias contados, carcomido pelo cancro. A proximidade da morte o aterroriza tanto quanto os agouros que lhe ameaçam o trono.
Pede a Corinto, comandante da guarda, convocar reunião em palácio dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da lei, os escribas.
O convite trazido por Corinto deixa Anás excitado. No íntimo, considera-se o verdadeiro rei da Palestina. Comparece em companhia de duas dezenas de membros do sinédrio - o conselho supremo do poder judaico, integrado por 71 notáveis, e do qual ele, na condição de sumo sacerdote, é o presidente.
Herodes é introduzido no salão a bordo de uma liteira de marfim sustentada por quatro escravos. Anás mal consegue controlar sua curiosidade por conhecer o motivo de tão inesperada convocação. O rei quer saber dos sinedritas onde e quando deve nascer o Messias que tanto aguardam. Gamaliel cofia sua barba em leque e diz: "Nascerá em Belém, na Judéia, pois está dito pelo profeta Miquéias - E tu, Belém, de modo algum és a menor entre as cidades de Judá, pois de ti sairá para mim aquele que deve guiar Israel. Quando isso ocorrerá - escusa-se o doutor da lei -, não está ao alcance do nosso saber."
Herodes não admite que a sua soberania seja desafiada por rumores em torno de um menino-messias. Ordena que a guarda de operações especiais, comandada pelo espadaúdo Tirano, dirija-se a Belém e passe ao fio da espada todas as crianças do sexo masculino com menos de dois anos de idade.
Ao amanhecer, as tropas herodianas ocupam Belém. Os batedores vão de casa em casa. Ordenam que todos os meninos de colo, e aqueles que ainda não caminham com firmeza, sejam trazidos à rua por suas mães. As outras mulheres devem permanecer trancadas em casa, com portas e janelas fechadas, em companhia de homens e crianças.
Toda a gente de Belém pressente que, desta vez, Azrael, o anjo exterminador, voltou-se contra ela. As mães ficam separadas dos filhos que, nus, são deitados lado a lado ao longo das ruas. Os bebês choram um choro de abandono, insistente, como se um presságio os movesse a sugar com avidez o ar que, em breve, já não poderão respirar. De rostos virados para as paredes das casas e dos muros, e vigiadas por soldados, as mães riscam as pedras com as unhas e lavam o musgo com as lágrimas.
Após observar cada criança à procura de algum traço messiânico, Tirano dá o sinal para a degola. O carrasco agacha-se, puxa a cabeça da vítima para esticar o pescoço, ergue o cutelo e, num golpe, separa o crânio do corpo. Algumas mães, desesperadas, ousam voltar-se na direção dos filhos; são silenciadas pela lâmina do punhal que lhes traspassa o coração. Tirano passa ao fio de sua própria espada as mulheres que furam o cerco das sentinelas e se abraçam aos filhos como se quisessem fazê-los retornar ao útero.
Desde essa trágica manhã em Belém, os poderosos cruéis tornaram-se conhecidos como tiranos.
[Autor da biografia de Jesus "Entre todos os homens" (Ática), entre outros livros].
* Frei dominicano. Escritor.
| LISTA DE NATAL | |
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Neste Natal, não quero o Papai Noel das promoções comerciais, das ceias pantagruélicas, dos presentes caros embrulhados em afetos raros. Quero o Menino Jesus nascido no coração manjedoura, esperança acesa num pasto de Belém, Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias e os pobres saciados de bens. Não quero o Papai Noel das lojas enfeitadas, do celofane brilhante das cestas de produtos importados, das garrafas em que os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias. Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver, o Menino judeu arauto da paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade, o Menino poupado da estupidez das guerras. Neste Natal dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida, sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração. Quero o amor sem dor, a oração só louvor, a fé comungada no sabor de justiça. Não quero presentes dos ausentes, a litúrgica reverência às mercadorias, a romaria pagã aos templos consumistas dos shopping-centers. Quero o pão na boca da criança faminta, a paz que se alarga dos espíritos atribulados aos campos de batalha, o gozo de contemplar o Invisível. Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produtos entre mãos que não se abrem em solidariedade, compaixão e carinho despudorado. Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo, semeando ternura em todos os canteiros em que as pedras sufocam as flores. Não quero esse ruído urbano que esmaga a alma, os ouvidos aprisionados aos telefones, o olfato condenado por odores insalubres, a boca em cascatas de palavras inúteis, despidas de verdade e sentido. Quero o silêncio indevassável de meu próprio mistério, o canto harmônico da natureza, a mão que se estende para que o outro se erga, a fraternura dos amigos abençoados pela cumplicidade perene. Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros, as promessas viciadas dos políticos, os cartões impressos a granel, cheios de colorido e vazios de originalidade. Quero as evocações mais ternas: o cheiro do café coado de manhã por minha avó, o som do sino da matriz, o rádio Philco exalando sabonete Eucalol enquanto a babá me via brincar no quintal. Não quero as amarguras familiares que se guardam como poeira nas dobras da alma, as invejas que me alienam de mim mesmo, as ambições que me tornam tristes como as galinhas, que têm asas e não voam. Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja, a cabeça curvada ao Transcendente, a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria. Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos, nem disfarçarei em algodão a neve que se amontoa em meus dessentimentos ou prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença. Quero o segredar dos anjos, a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito, a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados. Não viajarei para longe de mim mesmo, à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro, falando um idioma cujo significado me escapa. Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade, lá onde as palavras se calam e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio. Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes, panetones e carnes gordas. Nem deixarei o que me resta de sensatez resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada. Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão, a entornar de vinho cálices alados, e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças. Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo, nem acenderei velas aos guardiães do Inferno. Não serei o alpinista de cobiças desmedidas, nem o coveiro de utopias libertárias. Desfraldarei sobre o telhado a bandeira de sonhos inconfessos e semearei estrelas no jardim de meus encantos, lá onde cultivo essa doce paixão que me faz sofrer de saudades do que é terno. Neste Natal, farei de minhas gravatas uma imensa corda para enforcar o cinismo das convenções sociais e descerei um por um os degraus dos podres poderes, até ingressar nos subterrâneos repletos de luz dos servos da esperança. Não sonegarei sentimentos e encantos. Andarei nu pelas ruas para que todos vejam como o tempo enrugou delicadamente a minha pele, imprimiu flacidez a esses membros prenhes de história e cobriu-me de pêlos alvos como o frescor da velhice coerente. Não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam, nem irei às ceias dos que se devoram. Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes, nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono. Alimentado como um pássaro, sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos; dançarei aleluias entre as galáxias da Via Láctea e, pela manhã, em cada raio de sol injetarei poesia para que todos acordem inebriados como se fossem borboletas livres do casulo. Neste Natal, não direi adeus ao século que finda e ao milênio que se encerra, nos quais recebi a vida, a fé e mais perguntas que respostas. Pisarei cuidadoso entre mortos inocentes e alentos frustrados, e haverei de conferir no monitor eletrônico quantos foram os dissabores disseminados pela fera disfarçada de humano. De mãos dadas com o Menino, deixarei que as águas lavem o avesso de minha pele e, em seguida, caminharemos silentes rumo ao novo século e ao terceiro milênio. E eu estarei com os olhos fixos no Menino para que seu verbo se faça carne em meu coração de pedra, cuidando para que ele cresça despregado da cruz, exaltado pela vitória inelutável da Ressurreição. Frei Betto é escritor, autor de "A Obra do Artista uma visão holística do Universo" (Ática), entre outros livros. |
| Carta para o Papai Noel |
| O senhor vai me desculpar se lhe falo com liberdade, mesmo não tendo nenhuma familiaridade com o senhor. Para mim, o senhor é sempre um pouco estranho e até acaba me resultando algo antipático. Me desculpe, viu? Nos meus tempos de criança o senhor não era protagonista do Natal. Sabíamos mais ou menos que, nos países frios do norte da Europa, veneravam um tal de São Nicolau ou Santa Klaus, velho de barba branca e com um saco nas costas, que andava pela neve distribuindo presentes à criançada. |
# escrito por Kodai : 12/27/2007 01:32:00 AM


