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domingo, janeiro 06, 2008
História do Calendário 

http://www.dfq.pucminas.br/spin/spin_ano1%20n2/ano1n2a.htm
 

HISTÓRIA DO CALENDÁRIO

Tomás de Aquino Silveira
PUC-Minas
Departamento de Física e Química

Resumo

A história do calendário é apresentada com preocupação didática. São expostas as noções astronômicas que levaram os povos antigos aos meios de produzir um calendário. São revistos os calendários egípcio, babilônico, romano, juliano e gregoriano, e discutem-se propostas de reforma do calendário em uso atualmente.[1]

1. INTRODUÇÃO

O calendário é um dos instrumentos mais presentes no nosso cotidiano. Apesar disso, há pouco conhecimento entre os estudantes, mesmo os de nível superior, a respeito de sua origem. Com este trabalho pretendemos apresentar os fundamentos do calendário através da narração de alguns aspectos de sua história. A grande preocupação do autor não é esgotar o assunto, o que seria pretensão irrealizável, mas apresentar o tema de modo claro e, na medida do possível, interessante. Espera-se, com isso, que os professores e alunos que tomarem contato com este texto tenham uma nova compreensão do assunto, e o desejo de aprofundá-lo.

Não poderíamos deixar de fazer menção à pessoa que fez nascer no autor o interesse pelo tema, mostrando a possibilidade de expô-lo com entusiasmo e elegância. Trata-se do Professor Roberto Boczko, do IAG-USP (Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo), que forneceu o ponto de partida desta forma de abordagem do assunto. Sua habilidade para esclarecer mesmo os pontos mais dúbios é um incentivo constante para quem se dedica ao ensino.

2. PERÍODOS DE CONTAGEM DE TEMPO

Mesmo os homens mais primitivos devem ter sido capazes de perceber a alternância de períodos claros, associados à presença do Sol, com períodos escuros, associados à sua ausência e à presença de estrelas. Os grupos de coletores e caçadores certamente tinham uma vida social pouco desenvolvida, e para suas necessidades bastava a contagem do número de sóis que apareceram a partir de um dado evento. Descobriu-se assim o primeiro período natural de contagem de tempo: o dia, integrado por uma parte clara que chamamos dia claro e por uma parte escura, a noite.

Observando a Lua (o astro mais espetacular da noite) percebe-se que seu aspecto varia de forma cíclica. Vemos desde uma Lua brilhante com todo o disco iluminado até o seu escurecimento praticamente completo. Podem-se definir, a partir desses fenômenos, as fases da Lua, da seguinte maneira:

1.      Fase Cheia, cujo início ocorre quando o círculo está todo iluminado;

2.      Fase Nova, iniciada quando a Lua está na obscuridade, com apenas uma circunferência levemente iluminada;

3.      Fase Minguante, com início marcado pela presença de um semicírculo brilhante precedendo a Lua Nova;

4.      Fase Crescente, que começa quando a aparência da Lua  é a de um semicírculo iluminado precedendo a Lua Cheia.

A duração de um ciclo completo das fases da Lua está entre 29 e 30 dias. O ciclo completo recebe o nome de lunação, e hoje, com relógios precisos e observações cuidadosas, sabemos que esse período compreende 29,530589 dias. É o Mês Sinódico, que se define como o intervalo de tempo médio decorrido entre duas fases iguais consecutivas da Lua.

Por uma série de razões, esse fenômeno periódico passou a ser utilizado para agrupar os dias. Era fácil de calcular, porque as observações são simples e o período é formado por um número de dias não muito grande. Além disso, tinha uma duração aproximada à do ciclo menstrual feminino, o que certamente representava grande força mágica e ritual para agrupamentos humanos que valorizavam os cultos da fertilidade. Por isso, os primeiros calendários tiveram como base esse período, revelando-se como meras coleções de meses de 29 ou 30 dias.

Com o advento da agricultura, ficou claro para os homens que as condições meteorológicas variavam em um ciclo definido: um período de frio extremo, a seguir um de temperatura média, outro de temperaturas elevadas, que depois caíam gradualmente. A alguns desses períodos associavam-se fenômenos como enchentes ou secas. Estrelas que podiam ser vistas na época mais quente não eram visíveis no período de frio. E mais: a sombra de um poste ao meio-dia é mais curta na época de calor.

Assim surgiram duas noções:

1.      Estação, um período de tempo com certas condições meteorológicas mais ou menos uniformes, associadas a fenômenos que lhe são peculiares, como os descritos acima;

2.      Ano, intervalo de tempo necessário para as estações completarem um ciclo; sua duração será estudada nos tópicos seguintes.

Os três períodos referidos — o dia, o mês e o ano — têm como base fenômenos astronômicos e meteorológicos importantes para as necessidades práticas da vida. Entretanto, todos nós convivemos com um outro período — a semana — que não guarda conexão com fenômenos naturais. As pesquisas históricas indicam que ela surgiu na Mesopotâmia, com os caldeus. Este povo, notoriamente atento aos céus, reconhecia os sete astros visíveis a olho nu que se movem em relação às estrelas, que são o Sol , a Lua e os cinco planetas conhecidos na antigüidade: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Sabe-se que o caráter "errático" desses astros já tinha sido observado pelos caldeus pelo menos 3500 anos atrás. A cada um desses planetas os caldeus associavam um deus, e a cada um desses deuses eles dedicaram um dia, perfazendo um período de sete dias, ao fim do qual recomeçava-se o ciclo. Esse sistema foi introduzido nas culturas do Mediterrâneo no Período Helenístico, por volta de 200 a.C. Aliás, a noção de semana se difundiu tanto no Oriente como no Ocidente, e em várias línguas os nomes dos dias que a compõem guardam relação com os nomes desses planetas ou dos deuses a eles vinculados. Como ilustração, mostramos abaixo esses nomes em vários idiomas, relacionando-os com os nomes dos astros correspondentes.

Para compreender como isso ocorreu, tome-se como exemplo o caso da "estrela" Ishtar, a deusa babilônica do desejo erótico e da fertilidade. Entre os gregos, ela foi associada à deusa Afrodite, e entre os romanos, à deusa Vênus. Assim ocorreu com todos os outros seis astros errantes do céu. No caso do latim, fica clara a ligação dos nomes dos dias da semana com os nomes dos planetas. O italiano, o espanhol e o francês, línguas derivadas do latim, mostram claramente essa vinculação. Com o cristianismo, o nome do dia do Sol (Solis dies) passou a Dominica (dia do Senhor, Dominus) e o Saturni dies se transformou em Sabbatum, do hebraico Shabbath, dia do descanso (dia santificado). Esses nomes se projetaram nas línguas românicas, mas o português adotou a nomenclatura do latim litúrgico cristão, que designa os dias entre o domingo e o sábado pela sua sucessão ordinal.. 

Astro

Latim

Italiano

Espanhol

Francês

Sol

dies Solis

Domenica

Día Domingo

Dimanche

Lua

dies Lunae

Luendi

Día Lunes

Lundi

Marte

dies Martis

Martedi

Día Martes

Mardi

Mercúrio

dies Mercurii

Mercoledi

Día Miércoles

Mercredi

Júpiter

dies Jovis

Giovedi

Día Jueves

Jeudi

Vênus

dies Veneris

Venerdi

Día Viernes

Vendredi

Saturno

dies Saturni

Sabbato

Día Sábado

Samedi

Nomes dos dias da semana provenientes do latim

Astro

Saxônico[2]

Inglês

Alemão

Sol

Sun's Day

Sunday

Sonntag

Lua (Moon)

Moon's Day

Monday

Montag

Marte

Tiw's Day (Tiwes daeg)

Tuesday

Dienstag

Mercúrio

Woden's Day (Wodnes daeg)

Wednesday

Mittwoch

Júpiter

Thor's Day (Thunres daeg)

Thursday

Donnerstag

Vênus

Frigg's Day(Frig daeg)

Friday

Freytag

Saturno

Saturday

Saturday

Samstag

(Sonnabend)

Nomes dos dias da semana provenientes do saxônico               

            Os povos anglo-saxônicos, ao adotarem a semana, atribuíram-lhe nomes dos seus deuses que mais se assemelhavam aos deuses gregos. Isso pode ser bem visto no idioma inglês. No caso do Sol, da Lua e de Saturno, a derivação é clara. Mas e quanto aos outros astros? No caso deles, a associação foi feita com os antigos deuses nórdicos. A Marte vinculou-se Tyr, um deus nórdico que regia a guerra e a liderança; daí seu dia ser Tiwes daeg, o que em inglês se escreveria Tiw's day, donde o termo atual Tuesday. Tyr é uma personificação arcaica do céu, e há indícios de que ele estaria mais aparentado com Zeus. Na era da dominação romana, alguns de seus atributos tinham sido transferidos para Odin, o líder dos deus nórdicos.

            Entre os anglo-saxões Odin era conhecido como Woden. Apesar de Woden personificar a soberania divina, o que o tornaria semelhante a Júpiter (ou Zeus, entre os gregos), enxergava-se nele também uma personalidade xamânica. Tal atributo, juntamente com sua capacidade de inspirar êxtases espirituais e sua amizade com os mortos fizeram com que ele fosse aproximado a Mercúrio. Então, o dia dedicado a Mercúrio tornou-se o Wodnes daeg, produzindo em inglês o moderno Wednesday. Por outro lado, como Thor era o deus nórdico das tempestades, raios e trovões, foi natural sua semelhança com Júpiter, donde o dia a ele dedicado tornou-se Thunres daeg, que originou o atual Thursday. Finalmente, vem a esposa de Odin, Frig, deusa nórdica da fertilidade e do amor, atributos que a colocavam naturalmente ao lado da Vênus romana. O dies Veneris foi chamado então de Frig daeg, hoje Friday.

No caso do alemão a derivação é semelhante. Veja-se, entretanto, a forma alemã atual Mittwoch (meio da semana), que substituiu a antiga Gunsdag,que se referia a Wodan.

Curioso é também interrogar porque os dias da semana têm a seqüência que observamos hoje. E. C. Krupp (2001) faz uma interessante discussão a respeito, em que primeiramente ele chama a atenção para o fato de que os dias estão, em parte, ordenados pela velocidade do movimento dos seus respectivos planetas através das estrelas. Se tomarmos o intervalo de tempo dispendido para um planeta percorrer as constelações do zodíaco, veremos que o mais vagaroso seria Saturno, seguido por Júpiter, Marte, Sol, Vênus, Mercúrio e a Lua, nesta ordem. Se isso valesse inteiramente, os dias da semana se disporiam na estranha seqüência de dies Saturni, dies Jovis, dies Martis, dies Solis, dies Veneris, dies Mercurii e dies Lunae.

Mas a ligação com a velocidade seria mais complexa. Krupp nos conta que, na astrologia helenística, cada hora do dia era regida por um dos sete planetas. O ciclo começava com Saturno, que se tornaria o regente da primeira hora do dia, e do primeiro dia da semana, que no sistema astrológico da época seria o sábado. As horas seguintes do primeiro dia da semana seriam regidas cada uma por um planeta, na ordem de velocidade crescente exposta no parágrafo anterior. Assim, a quarta hora do dia, por exemplo, seria dedicada ao Sol. No início da oitava hora o ciclo recomeçava, com a regência de Saturno. Em um dia (que como sabemos tem 24 horas) teríamos três ciclos completos, e mais três horas. Então, a primeira hora do segundo dia seria governada pelo quarto planeta da lista, o Sol, fazendo com que tal dia fosse a ele dedicado, donde teríamos o domingo após o sábado. Continuando a seqüência de regência das horas pelo planeta, é fácil ver que o terceiro dia começaria com a regência do quarto planeta, contando-se o Sol como primeiro, na nossa lista de planetas de velocidades crescentes, sendo então tal dia dedicado à Lua. Prosseguindo-se o raciocínio, a lista estaria formada na ordem que nos é familiar: Saturno, Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus.

De forma aparentemente independente, os judeus celebravam o Shabbath a cada sete dias. Esse período naturalmente estava ligado ao livro do Gênesis, que estabelece a criação do mundo em sete dias. Uma especulação nossa, sem prova documental de que tenhamos conhecimento, é que a própria idéia da criação do mundo em sete dias teria raízes culturais entre os caldeus, já que o texto do Gênesis é posterior à idéia babilônica de colecionar os dias em grupos de sete. 

3  DURAÇÃO DO ANO

Os povos antigos podem ter empregado vários processos para determinar a duração do ano. O método que passamos a descrever pode ser usado com facilidade em escolas de 1° grau. O autor já teve esta experiência, e é notável como se consegue captar o interesse dos jovens estudantes por algo tão simples durante tanto tempo!

            O primeiro passo é construir um gnômon, que neste caso será uma vara vertical fincada na parte horizontal de um terreno. Pode-se aproveitar algum objeto com estas características, como um poste. Só não deve ser muito fino, pois sua sombra, elemento a ser observado, poderia ficar indefinida. É recomendável ainda que o objeto tenha uma altura de pelo menos dois metros para evitar sombras muito curtas durante boa parte do ano.


Antes de começar as observações é preciso determinar o meridiano local, ou seja, a linha  norte - sul. Para este fim, traçam-se algumas circunferências com centro no pé do gnômon. Ao longo de um dia veremos que, pela manhã, a sombra do pilar irá diminuindo e sua ponta irá passando pelas circunferências, da mais externa à mais interna (pontos A, Be C da Fig. 1); pela tarde, a sombra irá aumentar e sua ponta passará pelas mesmas circunferências em ordem inversa (pontos C', B', e A').

A seguir, escolhe-se um par de pontos que ficou marcado com precisão (por exemplo, A e A') e determina-se seu ponto médio (M), conforme se vê na Figura 2. A reta obtida ligando M ao pé do gnômon é o meridiano local, sendo os Pontos Cardeais Norte e Sul definidos em função do lado onde o Sol nasce. Os pontos Cardeais Leste e Oeste ficam determinados pela perpendicular ao meridiano. A figura 2 esclarece estas posições.   

 Agora será possível constatar que, quando a sombra do gnômon passar pela linha meridiana, ela terá o menor comprimento para aquele dia, e esse instante é o meio-dia verdadeiro. A cada dia o tamanho dessa sombra mínima varia. No caso de se estar no Hemisfério Norte, em latitudes maiores que as do Trópico de Câncer, as observações feitas ao longo de muitos dias mostram que a sombra, ao meio-dia verdadeiro, tem o maior comprimento na época de frio e o menor na época de calor. (veja a Fig. 3) . Nessa figura, se estivermos ao norte do Trópico de Câncer, o norte estaria à esquerda de R. Ela serviria também para um ponto situado ao sul do Trópico de Câncer; neste caso, à esquerda de R estaria o sul.

                Começando, portanto, com a sombra mínima em P, teríamos uma época de temperaturas altas; a sombra iria aumentando até chegar a R, e depois voltaria a diminuir até readquirir o tamanho IP. Com observações desse tipo não foi difícil verificar que o ciclo das estações (tempo para a sombra sair de um ponto e voltar a ele após passar por todos os outros) tem a duração de aproximadamente 365 dias. Aproximadamente porque a sombra, no 365.º dia, não passa exatamente por P, mas por um ponto muito próximo. O valor que hoje temos é 365,242199 dias.           

                O ponto Q da Fig. 3 é obtido de modo que VQ seja a bissetriz do ângulo , que mede cerca de 47º. Através do gnômon, é possível compreender a origem da divisão do ano em quatro estações. Temos o seguinte esquema:

 

Estação

Verão

Outono

Inverno

Primavera

Inicia com a Sombra em

P
Q
R
Q

Termina com  a sombra em

Q
R
Q
P

 

Temos aí a oportunidade de definir os solstícios e equinócios. Vejamos:

1.      Solstício de Verão : instante em que a sombra é IP (início do Verão).

2.      Equinócio de Outono: instante em que a sombra é IQ e está crescendo(início do Outono).

3.      Solstício de Inverno: instante em que a sombra é IR (início do Inverno).

4.      Equinócio da Primavera: instante em que a sombra é IQ e está diminuindo (início da primavera). 

Para melhor compreensão do comportamento da sombra do gnômon, vale a pena descrevermos o movimento do Sol no céu. Sabemos que ele se ergue no horizonte leste em um ponto diferente a cada dia. Sua trajetória faz sempre o mesmo ângulo q com a linha do horizonte. Medindo da maneira mostrada na Fig. 4, ele corresponde a 90º – f, onde f é latitude do local de observação, convencionada positiva para o Hemisfério Norte e negativa para o Hemisfério Sul. Nessa figura, o observador está no centro, onde colocamos um gnômon; o hemisfério representa a abóbada celeste. Como o gnômon é vertical, ele aponta para o zênite, o ponto mais alto do firmamento (aqui altura se refere a distância angular em relação ao horizonte). O arco que se ergue do Ponto Norte ao Ponto Sul passando pelo zênite (Z) é o Meridiano Celeste. Tanto ele como a linha meridiana estão contidas num plano, determinado por N, Z e S, chamado Plano Meridiano.

No dia em que ocorre o Solstício de Verão, a trajetória do Sol passa por S1: o dia do Equinócio ocorre com a trajetória passando por E, e do Solstício do Inverno por S2. Apenas nos dias dos Equinócios (seja da Primavera, seja Outono) o Sol nasce exatamente no Ponto Leste. Aliás, esta afirmação requer um certo rigor: só verá o Sol nascendo no Ponto Leste quem estiver em uma longitude tal que o Sol esteja nascendo ali exatamente na hora em que ocorre o Equinócio. Nessa data o dia claro tem duração igual à da noite. Se acompanharmos o trajeto do Sol na Fig. 4 em cada caso, fica imediatamente claro o comportamento da sombra do gnômon, observado em regiões do Hemisfério Norte fora da faixa intertropical, e referido anteriormente, com referência à Fig. 3.

Retomemos a afirmação de que a cada dia o Sol nasce num ponto diferente do horizonte leste. Este fato fornece outra forma de verificar o dia em que ocorre um solstício ou um equinócio. Por observações anteriores, um astrônomo primitivo poderia ter observado que, no dia do Solstício (do Verão ou do Inverno), o Sol nasceu em um determinado ponto do horizonte. Com dois marcos ele pode estabelecer no chão uma linha que aponta para este local. Nos anos seguintes, basta acompanhar o nascer do Sol a cada dia até que ele se repita naquele ponto indicado pelos marcos: temos de novo o dia do Solstício. Esse tipo de alinhamento mostrando a posição do nascer (ou do pôr) do Sol em dias especiais é muito freqüente na Europa, por exemplo em monumentos megalíticos como o de Stonehenge. Também na América existem em grande número, sendo uma constante nas ruínas das florestas mexicanas (veja o livro En Busca de las antiguas astronomías, coordenado por E. C. Krupp). No Brasil, foi descoberta uma pedra com uma aresta trabalhada por mãos humanas apontando exatamente para o Ponto Leste, o ponto do nascer do Sol no Equinócio (conforme o jornal Folha de São Paulo, em sua edição de 15 de março de 1992, pág. 5-18).           

4.ORIGEM DO CALENDÁRIO

            Todo calendário é um conjunto de tabelas associado a certas regras que dizem como agrupar os dias de diferentes maneiras para facilitar a sua contagem, seja a dos dias passados, seja dos vindouros. Um calendário criado para fins exclusivamente políticos, por exemplo, segue as regras que bem entender. Entretanto, se ele pretende regular, entre outras, as atividades dos agricultores, precisa adequar-se ao ciclo das estações, ou seja, ao ano solar. Como se sabe, esse ciclo dura 365,242199 dias. Sendo um número com uma parte fracionária, ele exigirá certa engenhosidade na forma de agrupar os dias em anos, de modo que a duração média do ano seja a mais próxima possível do referido valor. Passaremos a acompanhar a evolução dos calendários e veremos como esse e outros problemas foram abordados por alguns dos povos antigos.

4. 1  Calendário egípcio 

            Como uma das primeiras civilizações, a egípcia cedo precisou de uma forma de regular e planejar suas atividades, principalmente as agrícolas. Estas se orientavam pelas inundações periódicas do rio Nilo, que fertilizavam as terras baixas e marcavam o começo de um novo ano agrícola. Isso fez com que os egípcios dividissem o ano não em quatro, mas em três estações, a saber: a das Inundações, a da Semeadura e a da Colheita, com início respectivamente em julho, novembro e março, de acordo com o nosso calendário. Conhecendo a duração aproximada do ano, estabeleceram que seu calendário teria três estações de quatro meses cada uma, cada mês com trinta dias, e no final haveria cinco dias adicionais (os epagômenos, o que quer dizer intercalados) perfazendo 365 dias. Ora, como o ano trópico ou solar tem a duração de 365 dias e quase ¼ de dia, à medida que os anos passavam o calendário egípcio se adiantava em relação aos fenômenos sazonais. De fato, um calendário com o ano fixo de 365 dias já indica o ano seguinte sem que o Sol tenha retornado a posição que ocupava no início do ano anterior, e irá acumulando uma defasagem de quase seis horas a cada ano.

Esse calendário tipicamente solar, devido a sua duração fixa de 365 dias, não servia, portanto, para estabelecer as datas dos inícios das estações. Sua utilidade deve ter sido meramente religiosa. Para se fazer o controle das estações, os egípcios recorreram a um fenômeno ligada à estrela Sirius, a mais brilhante dos céus. À medida que a terra faz seu movimento em torno do Sol, este será visto contra um "fundo" de estrelas diferentes. Isto pode ser melhor percebido um pouco antes do nascer do Sol, quando é possível ver as estrelas que estão próximas do ponto onde o Sol vai nascer, e pouco depois o próprio Sol. O que se percebe é que as estrelas surgem no horizonte leste cada dia mais cedo em relação do Sol. A impressão que se tem é que elas realizam de um dia para o outro um movimento de leste para o oeste em relação ao Sol. Uma estrela pode, assim, em um dia nascer (surgir no horizonte leste) um pouco depois do Sol, no dia seguinte estar em conjunção com ele e no terceiro dia nascer um pouquinho antes do Sol, pela primeira vez. Este último fenômeno é chamado nascer helíaco dessa estrela, e pode ser observado para Sirius com relativa facilidade em virtude de seu grande brilho. E os egípcios perceberam uma notável coincidência: a data do nascimento helíaco de Sirius era muito próxima do início das cheias do Nilo. A partir desse fato estava feito o controle das estações. Além disso, esse processo permitia outro meio de medir a duração do ano. Era só contar quantos dias decorreram entre um e outro nascer helíaco de Sirius. Na realidade, o ano definido dessa forma não coincide exatamente com o ano solar; ele é denominado ano sideral, e sua duração é cerca de 20 minutos maior que a do solar, devendo-se essa diferença ao movimento de precessão do eixo de rotação da Terra.

Com o passar dos séculos, os egípcios descobriram ainda que, se o início do ano egípcio coincidisse em alguma ocasião com o nascimento helíaco de Sirius, essa coincidência só voltaria a ocorrer após 1460 anos. Esse seria o tempo necessário para o início do ano egípcio percorrer todas as estações. (Ver fig. 5)

Esse ciclo ficou conhecido como período Sótico, porque o nome Sirius para os egípcios era Sothis. Se eram necessários 1460 anos do calendário egípcio para ele se adiantar 365 dias, seriam necessários 1460/365 anos, ou seja, 4 anos, para que ele se adiantasse um dia. Vendo isso, em 238 a C. Ptolomeu Euergetes decretou uma reforma do calendário que consistia em adicionar um dia a cada quatro anos, corrigindo a defasagem antes que ela se acumulasse. Mas a reforma não foi implementada por oposição dos setores religiosos. Esse procedimento só foi adotado entre 26 e 23 a C., passando o calendário a ter o nome de Alexandrino. Ele sobrevive hoje no calendário Etíope e no da Igreja Copta.     

4.2 Calendário babilônico            

Agora veremos um calendário que na sua fase inicial é lunar. O ano era definido como um período de doze meses lunares. O início de cada mês será determinado pelo aparecimento da Fase Crescente da Lua pela primeira vez no céu noturno. Como uma lunação corresponde a 29,530589 dias (valor atual), ora teríamos meses de 29 dias, ora de 30 dias. Então, o ano babilônico teria uma duração aproximada de  354 dias (resultado de 6 x 30 + 6 x 29), terminando onze dias "antes da hora". Por isso acrescentava-se um 13° mês "quando necessário", para ajustar o calendário às estações do ano. Mas aí surge um problema: quando inserir esse mês adicional? Se o fizermos uma vez a cada três anos, acrescentaremos 30 ou 29 dias, mas em três anos solares a deficiência é de 33 dias (3 x 11).

            O problema foi resolvido mediante uma grande descoberta da astronomia babilônica. Para entendê-la, voltemos ao nosso gnômon (Fig.3) e suponhamos, para fixar as idéias, que exatamente na data do Solstício do Verão, determinada pela passagem da sombra mínima por P, a lua esteja entrando na Fase Crescente. São dois fenômenos desvinculados  um do outro, mas esta coincidência pode ocorrer. Registrem-se a seguir, pacientemente, a seqüência das fases da Lua e os pontos por onde a sombra for passando. No ano seguinte, quando for novamente Solstício do Verão, notaremos que a Lua não está entrando na Fase Crescente. Mas continue-se registrando diariamente. O que se descobre é que o referido Solstício voltará a coincidir com aquele inicío de fase particular da Lua após 19 anos solares. Em outras palavras, a cada 19 anos solares as fases lunares voltam a ocorrer nas mesmas datas referidas do ano solar. Notemos que essa descoberta leva a uma boa determinação do período de tempo representado por uma lunação. Em 19 anos solares devem contar-se 19 x 365,242199 dias (6940 dias). O registro das fases lunares durante as observações referidas acima mostrava que nos 19 anos solares cabiam exatamente 235 lunações. Logo, 1 lunação = (6940/235) = 29,532 dias, valor bem próximo do atualmente conhecido (29,530589 dias).

            Como essa descoberta foi usada para orientar o calendário babilônico? Ora, em 19 anos babilônicos de doze meses lunares havia 19 x 12 lunações (ou seja, 228 lunações). Como deveria haver 235, era, portanto, necessário adicionar 7 meses lunares a cada 19 anos de seu calendário. Isto marcou a evolução do calendário babilônico de lunar para lunisolar, e representa o primeiro sistema racional de correção do  calendário no mundo antigo, sem considerarmos o calendário chinês, que não influenciou nossa cultura. Esse ciclo foi descoberto pelos babilônios já em 747 a.C., mas foi usado correntemente a partir de 367 a.C.  Em torno de 432 a.C. ele foi redescoberto (ou aprendido dos babilônios, não se sabe ao certo) pelo astrônomo ateniense Méton; por isso, passou a ser conhecido como ciclo metônico.

            O calendário babilônico teve seus princípios adotados no calendário judaico. Em sua forma atual , o ano comum consiste em doze meses de 29 e 30 dias, alternadamente. Em cada período de 19 anos, sete têm um mês adicional, mais especificamente os anos de números 3, 6, 8, 11, 14, 17, 19. São os anos embolísmicos, com duração média de 384 dias. Mas como 354 ou 384 dias também não formam um  número exato de lunações, faz-se necessário, ocasionalmente, adicionar ou subtrair um dia desses anos para que eles coincidam com o ciclo das lunações. Portanto, o calendário judaico possui anos comuns de 353, 354 ou 355 dias, e anos embolísmicos de 383, 384 ou 385 dias. Os anos se contam na chamada Era da Criação, que tem início, no nosso calendário, em 7 de outubro de 3761 a.C.

            Devemos acrescentar uma informação. Não se sabe muito sobre os calendários usados pelos chineses, mas há indícios de que por volta de 2200 a.C. eles já empregavam um calendário semelhante ao babilônico, e com um sistema de correção baseado no ciclo de 19 anos. Estavam, portanto, nesse aspecto, mais de mil anos à frente dos povos da Mesopotâmia! 

5. CALENDÁRIO JULIANO

5.1 Origens do calendário Juliano. 

O primitivo calendário romano, de origem etrusca, consistia em 304 dias, distribuídos em dez meses de 30 e 31 dias de maneira irregular. Daí vêm os nomes setembro, outubro, novembro e dezembro, que significa mês sete, mês oito, mês nove, mês dez, apesar de que atualmente sejam, respectivamente, os meses nove, dez, onze e doze. O que ocorreu é que os meses de janeiro e fevereiro foram colocados posteriormente no princípio do ano, ao invés de no final. Após algumas evoluções, chegou-se a um calendário lunisolar com anos comuns de doze meses e anos especiais de treze meses. A colocação de um mês adicional (Mercedonius) era decidida pelos sacerdotes oficiais. Mas houve muito descuido desse ofício, resultando numa deficiência de cerca de 80 dias em relação às estações no tempo em que Júlio César estava no poder. É como se o calendário estivesse indicando junho, mês de frio para nós e estivéssemos ainda no verão! César decidiu resolver o problema. Com a "supervisão técnica" do astrônomo alexandrino Sosígenes, ele determinou que o ano de 46 a.C. (708 da fundação de Roma) tivesse 445 dias: este foi o "ano da confusão". Adotou-se o ano solar comum de 365 dias, o mesmo do calendário egípcio, dividido em doze meses com diferentes números de dias: 

Januarius                                  31 dias

Februarius                                29 dias

                                    Martius                                     31 dias

Aprilis                                      30 dias

Maius                                       31 dias

Junius                                       30 dias

Quintilis                                    31 dias

Sextilis                                      30 dias

September                                31 dias

October                                   30 dias

November                                31 dias

December                                30 dias

 

            Mas Júlio césar foi além. Conhecendo a proposta feita por Ptolomeu Euergetes para o calendário egípcio, adotou-a também: a cada quatro anos haveria um de 366 dias. Esse dia seria intervalado entre os dias 23 e 24 do mês de Februarius. Cada dia do mês para os romanos tinha um nome específico, e o dia 23 de Februarius era dies sextus ante calendas martias, ou seja, o sexto dia antes das calendas (o primeiro dia) do mês de Martius. Então o dia adicional foi chamado de "bis sextus ante calendas martias"; era como se o mesmo dia fosse contado duas vezes. E o ano que continha esse dia passou ser chamado Ano Bissexto.

            Apesar da simplicidade da regra de intercalação, os romanos aplicaram-na erradamente no primeiro ano, fazendo-o, ao que tudo indica, de três em três anos. Em 8 a.C. César Augusto suspendeu as intercalações, que só foram retomadas em 8 d.C. A partir dessa data aplicou-se corretamente a regra até a reforma gregoriana em 1582. Nesse período foi bissexto todo ano divisível por quatro. Ressalte-se, portanto, que a duração média do ano pelo calendário juliano é de 365,25 dias, ligeiramente mais longo que o ano solar de um valor de 0,007801 dia.      

            Vejamos a origem das denominações de alguns meses do calendário juliano. As de Martius a December foram atribuidas a Rômulo, lendário fundador de Roma. O primeiro teria sido consagrado a seu pai divino, Marte, deus da vegetação e mais tarde da guerra. Aprilis, Maius e Junius têm etimologia incerta. Os outros obedeciam simplesmente à ordem de sucessão no calendário primitivo: mês cinco, mês seis, etc. Januarius deve-se ao nome de Janus,o deus de duas faces, uma das mais antigas divindades romanas. Februarius foi consagrado às festas de purificação dos mortos, as februa.

O mês Quintilis foi rebatizado de Julius, em homenagem a Júlio César, durante o consulado de Marco Antônio. Em 24 a.C. o Senado romano trocou o nome do mês Sextilis por Augustus, em honra do imperador Augusto. Mas este mês tinha 30 dias, sendo menor, portanto, que Julius, o mês dedicado a Júlio César. Para corrigir esse desequilíbrio, adicionou-se um dia a Augustus, subtraindo-o ao mês de Februarius, que passou a ter 28 dias nos anos comuns e 29 nos anos bissextos. Fez-se isto por se considerar esse período como agourento: quanto menor, melhor! Os meses de September e November passaram a ter 30 dias, para evitar três meses seguidos de 31 dias, enquanto October e December aumentaram para 31 dias. As durações dos meses passaram assim aos valores que temos hoje, sem obedecer a qualquer regra lógica, mas a caprichos políticos e superstições. 

5.2 Era cristã           

            Definido um calendário, resta dizer a partir de que instante ele passa a contar o tempo. Época é a data de onde parte sua contagem (pode ser um acontecimento histórico ou religioso) e Era é o intervalo de tempo transcorrido desde a época até outra data, que pode ser indefinida. A partir desses conceitos podemos entender como surgiu a Era Cristã.

            Quando o calendário juliano já se encontrava bastante difundido, passou a reinar o imperador Diocleciano. Criou-se a convenção de contar os anos pelo calendário juliano a partir desse evento, e assim estabeleceu-se a Era Diocleciana. Em 242 dessa Era um monge, Dionísio, autocognominado o Pequeno, entendeu ser muito mais correto contar os anos a partir do nascimento de Cristo, importante data para o mundo ocidental. Ele próprio se dedicou a vários cálculos (que são hoje desconhecidos) e concluiu que o ano 248 da Era Diocleciana correspondia ao ano 525 do nascimento de Cristo. Com essa proposta nasceu a Era Cristã. Nos dias de hoje, entretanto, os cálculos mostram que o nascimento de Cristo ocorreu pelo menos quatro, se não seis anos antes da data encontrada por Dionísio. Mas provavelmente não se alterará esse início para evitar mais confusão.

            O ano não tem necessariamente que começar no primeiro dia de um determinado mês, nem num mês padrão. A data do início do ano marca o Estilo, e houve vários. Na época de Dionísio, empregou-se o Estilo da Natividade, com o início do ano em 25 de dezembro. Outras datas eram usadas, dependendo do local: primeiro de janeiro, primeiro de março, 25 de março. Com o tempo, universalizou-se o Estilo de Circuncisão (1º de janeiro) por coincidir com o início romano (começo dos trabalhos da magistratura). 

5.3 Páscoa e outras festas religiosas móveis 

            A páscoa é uma festa religiosa que já antes de Cristo era de grande importância para os judeus, pois nela se celebra sua saída do Egito (narrada no livro Êxodo, da Bíblia). Após a instituição da Igreja Cristã, essa festa foi incorporada à sua tradição como a mais importante, já que nela se comemora a ressurreição de Jesus Cristo. Em que data ela deve acontecer? De acordo com a tradição, Jesus foi crucificado no 14.º dia do mês de Nisan do calendário judeu, numa sexta-feira, tendo ressuscitado no 16º dia (domingo). Lembramos que o calendário judeu tem por base as lunações, e o mês de Nisan começa na primeira Lua Nova da primavera, donde se conclui que a crucificação teria ocorrido na Lua Cheia. A data da Páscoa está, portanto, vinculada tanto com os ciclos das fases lunares quanto com o ano solar, através da data do Equinócio da Primavera (para o Hemisfério Norte). Resolveu então o Concílio de Nicea, em 325 d.C., marcar a data da Páscoa como o primeiro domingo após a primeira Lua Cheia depois do Equinócio da Primavera Boreal, considerado este como ocorrendo no dia 21 de março; se a Lua Cheia caísse nesse domingo, a Páscoa deveria ser celebrada no domingo seguinte. Na prática, a data da Lua Cheia era calculada não por observações astronômicas, mas utilizando-se o ciclo metônico. Conhecendo-se as datas das fases lunares durante um período inicial de 19 anos, sabia-se que essas datas deveriam repetir-se nos 19 anos seguintes, e assim por diante. É claro que, dessa forma, a data obtida para a Páscoa não coincidiria sempre com a data obtida conforme critérios astronômicos fundados em observações, inclusive porque o ciclo metônico não era rigorosamente exato.

            Marcada a Páscoa, estão definidas todas as demais festas religiosas móveis. Designando-se a data da Páscoa por p, as datas das outras festas obedecerão ao seguinte esquema:            

Septuagésima                                       p-63     (63 dias antes da Páscoa)   

            Domingo de Carnaval                           p-49

            Quarta-Feira de Cinzas                        p-46

            Domingo de Ramos                              p-7

            Sexta-Feira da Paixão                          p-2

            Domingo do Espirito Santo                   p+49    (49 dias após a Páscoa)

            Santíssima Trindade                              p+59

            Corpo de Cristo                                   p+60             

 6   CALENDÁRIO GREGORIANO 

            O calendário juliano foi adotado em quase todo o mundo ocidental por influência da Igreja. Mas com o passar do tempo foi ficando evidente uma de suas limitações. Como ele estabelecia um ano um pouco mais longo que o ano solar, à medida que o tempo passava as estações se iniciavam em datas anteriores àquelas que marcavam seu começo. Para exemplificar, tomemos a data do Equinócio da Primavera, que à época do Concílio de Nicea ocorria em 21 de março. Já sabemos que o ano Juliano é 0,007801 dias (11 minutos e 14 segundos) mais longo que o ano solar ou trópico. Como essa defasagem   vai se  acumulando, vemos que, decorridos aproximadamente 125 anos (resultado de 1 dividido por 0,007801), essa defasagem seria de um dia, ou seja, 125 anos julianos teriam um dia a mais que 125 anos solares. Após esse período, o Equinócio, que no início caía no dia 21 de março, estaria caindo, na realidade, em 20 de março. Em 1582, no papado de Gregorio XIII, já se haviam passado, desde Nicea, 1257 anos, completando, portanto, a defasagem, cerca de 10 dias: o Equinócio da Primavera Boreal estava acontecendo em 11 de março do calendário juliano, e não em 21 como deveria ser.

            Este desacerto tinha conseqüências religiosas graves. Como o Equinócio eclesiástico era em 21 de março, a marcação da Páscoa que se fazia em função dele ficava atrasada, ficando igualmente atrasado o período da Quaresma (46 dias antes da Páscoa, compreendendo 40 dias comuns de abstinência e seis domingos). Se estava atrasado, então havia um período anterior a ele em que já se devia observar o jejum, mas as pessoas comiam carne e faziam o que bem entendiam, porque a Igreja o permitia! Portanto, era necessário compatibilizar o calendário com o ano solar e as estações. Isso motivou a reforma gregoriana do calendário.

            O primeiro passo foi resolver de um único golpe a defasagem do calendário. Isso foi fácil: decretou-se que o mês de outubro de 1582 teria 21 dias: do dia 4 de outubro (quinta- feira) saltou-se para o dia 15, sexta-feira, sem quebra da continuidade dos dias da semana. Os dias 5 a 14 foram simplesmente omitidos. Assim o Equinócio da Primavera Boreal voltava a acontecer em 21 de março. A seguir vinha a parte mais delicada: impedir que a defasagem voltasse a correr. Adotou-se para o ano médio do calendário o valor de 365,2425 dias, mais próximo do valor correto do ano solar do que o valor do ano juliano. Esse valor pode ser trabalhado da seguinte maneira:  

        365,2425 = 365 +        0,24    +   0,0025              

                                    = 365 + 0,25 - 0,01 +   0,0025                                   

                                                =  365 + 1/4  - 1/100 +  1/400                                                                                                

            Daí se compreende a regra de determinação de anos bissextos. Continuamos a ter anos bissextos a cada quatro anos (os que forem múltiplos de quatro), mas deixam de ser bissextos os anos múltiplos de cem, que passarão a ser anos comuns, com exceção dos múltiplos de quatrocentos, que permanecem bissextos. Assim, os anos de 1700, 1800, 1900 e 2100 são anos comuns (ou vagos) enquanto 1600, 2000 e 3200 são bissextos.

            Se compararmos o ano gregoriano com o ano trópico conhecido hoje (365,242199 dias), veremos que ainda há uma diferença, sendo o gregoriano  0,000301 dia mais longo. Para a defasagem chegar a um dia seriam necessários 3300 anos (resultado de 1/0,000301). Portanto, somente por volta de 4882 será necessário suprimir um dia no ano (ou seja, transformar um ano bissexto em um ano normal) para corrigir a defasagem.

Mas a omissão de dez dias em 1582 e a adoção de uma nova regra para os anos bissextos não foram os únicos atos de reforma. Houve uma terceira medida reformulando a regra de fixação da data da Páscoa, de modo que ela caísse sempre entre 22 de março e 25 de abril. A nova regra situava a Páscoa no primeiro domingo após a Lua Cheia (cuja data é treze dias após a da Lua Nova definida pelo ciclo metônico) que vem depois ou no dia 21 de março (Equinócio da Primavera Eclesiático); se disso resultar um dia posterior a 25 de abril, a Páscoa será no domingo anterior; se a Lua Cheia Eclesiástica ocorrer em 21 de março, sendo domingo celebrar-se-á a Páscoa em 25 de abril.

            O calendário gregoriano foi aceito na data de sua instituição (5 de outubro de 1582 do calendário juliano e 15 de outubro de 1582 do gregoriano) pelos países mais ligados ao papado. Outros só o fizeram bem mais tarde, como a Inglaterra (1752). Isso traz dificuldades para os historiados, que devem ter muito cuidado com o calendário a que se referem as datas de um determinado país. No caso da Inglaterra, o início do ano era em 25 de março até 1752, sendo mudado para 1° de janeiro com a adoção do calendário gregoriano. Para percebermos como isso faz diferença, mencionamos um exemplo descrito pelo prof. Vives em sua excelente obra Astronomia de Posición: Isaac Newton nasceu em 25/12/1642 e faleceu em 20/03/1726 pelo calendário juliano, mas pelo gregoriano, já em uso em outros países, estas datas seriam, respectivamente, 04/01/1643 e 31/03/1727.

7. PROPOSTA DE REFORMA DO CALENDÁRIO GREGORIANO

            O calendário gregoriano possui alguns defeitos que pretendemos destacar. O primeiro é a sua duração excessiva em relação ao ano trópico. Como se viu, esse excesso vai se acumulando, chegando a um dia no final de 3300 anos. Para corrigir isso, foram feitas algumas propostas que deixaremos de lado por uma razão muito simples: para todos os efeitos práticos, o ano gregoriano se ajusta muito bem ao ano solar.

            Mas este calendário possui outros defeitos referentes a sua estrutura. Vejamos, por exemplo, os meses: suas durações variam de 28 a 31 dias, sem uma razão lógica. A semana não tem relação com o mês, de modo que o número de dias úteis em um mês é muito variável (de 24 a 27, excluindo-se apenas o domingo). Isso complica cálculos de juros e salários. Ficam igualmente prejudicadas as estatísticas, que podem acusar aumento de produção em um mês em que a produção diária está caindo, ou vice-versa. Todos enfrentam o problema de usar (ou pagar) um mesmo salário para um mês de 28 dias e um de 31 dias. Como os dias da semana não coincidem, no ano seguinte, com as datas em que ocorrem no ano em curso, as atividades profissionais, escolares, econômicas, de lazer, etc., só podem ser programadas após a publicação do calendário do ano vindouro. Esta desordem na sua estrutura representa o que poderia ser reformulado.

            É interessante expor a proposta do chamado Calendário Mundial, inspirado no esquema apresentado em 1834 por um padre italiano de nome M. Mastrofini. Como 365 = 52 x 7 + 1, ele propôs que o último dia do ano fosse retirado do ciclo semanal e considerado feriado mundial. Com isto,  o ano comum passaria a ter suas datas caindo sempre no mesmo dia da semana. Para não quebrar essa regularidade, o ano bissexto teria o seu dia adicional colocado após 30 de junho, também fora do ciclo semanal, decretando-se igualmente aí um feriado mundial. Teríamos nos dois casos um sábado, seguido do feriado mundial e depois um domingo. Todos os anos seriam idênticos, com quatro trimestres de 13 semanas cada um, ou 91 dias, sendo o primeiro mês do trimestre de 31 dias e os outros dois de 30 dias. Cada mês teria 26 dias úteis. Os anos sempre começariam no domingo e terminariam no sábado, o mesmo ocorrendo com os trimestres. Tudo isso pode ser verificado na Fig. 6. Nessa proposta, A Páscoa passaria a ter uma data fixa: 8 de abril.

 

 

D

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1

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Janeiro

 

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Abril

 

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21

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Julho

 

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28

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outubro

 

29

30

31

 

 

 

 

  

 

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S

T

Q

Q

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S

 

 

 

 

1

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Fevereiro

5

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9

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11

 

 

 

 

 

 

 

 

Maio

12

13

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Agosto

19

20

21

22

23

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25

 

 

 

 

 

 

 

 

Novembro

26

27

28

29

30

 

 

  

 

D

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Q

Q

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S

 

 

 

 

 

 

 

1

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Março

3

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6

7

8

9

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Junho

10

11

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14

15

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Setembro

17

18

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20

21

22

23

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dezembro

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25

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28

29

30

M

                   

Fig. 6. O dia  M corresponde ao dia acrescentado no fim do mês de dezembro e, no caso de ano bissexto, também no fim do mês de junho. A Páscoa seria sempre em 8 de abril.   

Sem dúvida esse calendário oferece uma ordenação mais racional do tempo, e sua uniformidade simplificaria os problemas de planejamento a longo prazo. Mas há dificuldades para sua açeitação, principalmente por parte dos judeus, no que se refere à fixação da data da Páscoa. Toda mudança de caráter mundial depende de muitos acordos, diplomacia, etc. Provavelmente, conviveremos muito tempo ainda com a atual forma de calendário gregoriano. 

Referências Bibliográficas 

[1]  BOCZKO, Roberto.  Conceitos de Astronomia. São Paulo: Edgard Blücher, 1984.

[2] GONÇALVES, P.S.A. Revista do Prof. de Matemática, n. 15, p. 50, 1989. 

[3] KRUPP, E. C. En busca de las aniguas astronomías. Madrid: Pirámide, 1989. 

[4] KRUPP, E. C. Calendar Worlds. In Sky & Telescope, v. 101, n.1, jan. 2001, p. 103-105. 

[5] VIVES, Teodoro J. Astronomía de posición. Madrid: Alhambra, 1971.

[1] Este artigo foi publicado em sua forma original na revista Spin, v.1, n.2, set. 1992. Ele passou por correções, atualizações e acréscimos, sendo a versão final de junho de 2001.

[2] O primeiro nome é a tradução, em inglês, da forma primitiva do nome anglo-saxônico. A forma entre parênteses corresponde ao original anglo-saxônico, nos casos em que o autor conseguiu descobri-lo

 





# escrito por Kodai : 1/06/2008 06:42:00 PM   

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